Ingrid Medina

INGRID_Vestibular_2017

Ingrid Medina

Estudante de Serviço Social

“Eu escolhi o curso de Serviço Social há dois anos, mais ou menos. Sempre quis fazer Direito e, do nada, comecei a ler histórias sobre o trabalho do assistente social, comecei a me interessar e resolvi fazer o curso, me identifiquei bastante com os relatos.

Também era a melhor opção para mim ingressar na universidade pública, tanto pela questão da acessibilidade, que eu poderia ter uma exigência maior que em uma universidade particular, quanto pelo espaço, pelo reconhecimento da instituição. Escolhi a UFSC como foco, fiz o vestibular e deu certo. Estudei bastante para conseguir entrar, no dia da prova foi conturbado, tive alguns obstáculos. Quando passei na primeira chamada, fiz a matrícula on-line, depois de uns dias vim trazer a documentação e fui chamada pela Coordenadoria de Acessibilidade (CAE), que veio falar sobre a acessibilidade da Universidade, apresentar as opções que eu teria de integração com a turma, com os professores e entre a CAE e os professores, para que não existisse falta de conhecimento em relação a minha deficiência. A intenção é que eu seja como uma pessoa normal como outra qualquer, com acesso aos recursos que todo aluno tem. Depois, na Biblioteca, me apresentaram o ambiente que faz a adaptação de materiais, que faz a digitalização, os materiais que podemos fazer empréstimo, como o iPad, computador, enfim, os recursos que a Universidade oferece pra gente. Esse foi o meu início na UFSC.

Eu agora estou no segundo semestre. No início, a gente sempre fica apreensivo, como vai ser, como a turma vai reagir? No ensino médio eu não tinha um cão-guia e o primeiro dia de aulas foi uma reação dos colegas e com o cão-guia, é outra. Todo mundo ficou meio espantado, com certeza, e ao mesmo tempo devem ter ficado surpresos, tanto por ter uma pessoa com deficiência, como também por ter um cachorro na sala de aula. Os professores também, a maioria nunca tinha tido contato com um aluno com deficiência. Acaba sendo um desafio para mim de, diariamente, ter que mostrar que eu sou igual a todo mundo, que eu sou capaz, e um desafio também para eles não diferenciarem, não me colocarem como heroína nem coitadinha, mas como alguém igual a eles, incluída nos trabalhos, nas atividades, em tudo.

O primeiro semestre foi tranquilo, não tive nenhum problema. Alguns professores, que por sinal nunca tinham dado aula para alunos com deficiência, chegaram a escrever uns slides adaptados, o que é bem importante para nós; para os outros pode parecer algo sem muita relevância. Eles sempre tentaram descrever as imagens nos slides e colocar os alunos também para descrever. Isso para mim é muito importante.

Além de estudar, eu trabalho como telefonista, em meio-período. Saio do trabalho e venho direto para a Universidade, e à noite vou para a aula. O King [cão-guia]  fica comigo 24 horas. Estamos juntos há um ano, a convivência é a melhor possível. Além de ser meus olhos, o King é meu melhor amigo, meu companheiro, é tudo para mim. Depois dele minha vida mudou completamente. Eu uso a bengala só em uma necessidade muito extrema, porque até na chuva o King está comigo. Hoje eu já me tornei muito dependente dele. Eu sempre tive uma rejeição à bengala, e isso é muito comum entre os cegos que perderam a visão, como eu, que não nasceram cegos. Se antes do King já foi um desafio muito grande ter que aceitar a bengala, usar hoje é retroceder muito, nem imagino.

Cerca de 50% das pessoas respeita as orientações sobre como agir com um cão-guia. Não se deve interagir com o cão enquanto ele trabalha, fazer carinho sem minha autorização, dar comida. Não pode passar a mão, assoviar, estalar o dedo, dizer ‘que lindo’. Só de falar com uma voz alegre ele já perde a concentração e as pessoas não se dão conta. Só de alguém falar ‘que lindo!’ ele já se vira, ‘Opa, olhei’. Então ele se desconcentra e as pessoas não entendem isso. Muita gente mexe com ele, é muito constante, em todos os lugares.

A pessoa com deficiência não só pode fazer o vestibular como deve fazer. Aqui não é um lugar para poucos, é para muitos e principalmente para quem precisa. Eu que necessito de um atendimento especializado, tenho que procurar uma melhoria para mim. E se aqui tem esses recursos, eu tenho que estar aqui, tenho que usufruir desses recursos.

Estar na universidade tem sido uma experiência muito inovadora. Lá fora a gente tem uma cabeça, que é a do senso comum. E aqui a gente aprende a ser mais crítico, a amadurecer ideias, a discutir, respeitar opiniões contrárias. Aqui tem muita diversidade, não só de pessoas, mas de pensamento, religiões, gênero, tudo. A gente aprende a respeitar, conviver, por mais que não concorde com a pessoa. A gente aprende a ser mais maduro, a crescer como pessoa, e usar isso lá na frente, como profissional. Pelo menos é isso que eu estou aprendendo.”