Txulunh Gakran

TXULUNH_Vestibular_2017

Txulunh Gakran

Estudante de Nutrição

“Eu tenho 19 anos, nasci na Terra Indígena Tilaklanõ, próximo a Ibirama. Nasci e me criei lá, mas já morei em várias cidades: Itajaí, Curitiba, Campinas, por conta dos estudos do meu pai. Ele é formado em Ciências Sociais, tem mestrado e doutorado em Linguística e dá aula aqui na UFSC, é professor da língua xokleng no curso de Licenciatura Indígena.

Eu falo português, xokleng, espanhol e estou estudando francês. Ingressei na UFSC em 2014, nas vagas reservadas para indígenas pela política de ações afirmativas, no curso de Nutrição. O curso é muito diferente do que eu esperava. Quando eu estava no terceiro ano do ensino médio, eu quis estudar psicologia era porque eu achava que realmente era o curso que possibilitaria o trabalho com o meu povo. Eu via a nutrição como uma coisa superficial, não via muitos caminhos. Mas chegando ao curso eu me surpreendi. Tem ótimos professores e uma metodologia voltada para questões comunitárias, uma saúde mais humanizada, fiquei bem feliz por ter encontrado isso.

Eu não pretendo trabalhar como nutricionista, prescrevendo dietas. Eu acho que isso ninguém deveria fazer, mas pretendo terminar nutrição, fazer mestrado em direitos humanos e quem sabe doutorado na área. Eu quero me especializar no direito humano à alimentação adequada e à soberania alimentar e tentar assegurar direitos ao meu povo. O direito a ter a escolha de comer o alimento que no passado a gente utilizava mas que hoje não temos mais acesso.

Não vejo outro futuro para mim se não voltar à minha comunidade. Não vejo como trabalhar com o povo branco se meu povo está morrendo. Meu maior desejo quando era criança, que fui influenciada muito pelo meu pai, era de ajudar meu povo. Ele sempre fala que nos tempos que ele fazia pesquisa os velhos falavam que meu pai precisava colocar as histórias no papel, que um dia os velhos não estariam ali para contar. Isso é bem vivo para mim e é isso que eu quero fazer.

Eu faço parte de um Grupo de Trabalho que está reformulando o vestibular. A verdade é que não é só o vestibular que a gente quer atingir. O vestibular para nós é extremamente excludente, é muito difícil preencher as vagas, e é por conta da prova mesmo. Os nossos colégios têm a grade curricular diferenciada, a gente não aprende as mesmas coisas que um colégio branco ensina, além de que temos que optar por uma terceira língua, sendo que o português já é nossa segunda língua. Outra coisa é a questão de deslocamento, locais de prova são muito distantes da aldeia.

A luta é bem maior que uma prova que atenda nossa língua e nossas questões, é por uma estrutura de vestibular que esteja perto da gente, que atenda nossas demandas e que depois do ingresso também tenha acolhimento. Tem que vir de uma aldeia distante, passar por uma banca de validação, com dificuldade de conseguir documentos. E a própria permanência na Universidade, poder entrar numa sala de aula e ter pessoas preparadas para trabalharem com a gente, para a gente não se sentir tão excluído. É ter um apoio pedagógico e uma universidade que respeite. Diversas universidades já têm um vestibular específico, aqui no sul acho que só falta a UFSC ter. É uma luta básica, estamos muito atrasados.

Eu me envolvo em coisas muito além do meu curso, é uma questão de sobrevivência, não tem muita escolha. Ou a gente luta ou a gente morre. Existe muita mobilização dos estudantes indígenas aqui na UFSC e na aldeia também. Em setembro do ano passado [2015], eu fui uma das organizadoras do 3º Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas. Foi a melhor coisa que já aconteceu para a UFSC! Esse evento trouxe tanto para a Universidade, tantas cores, tantos sons diferentes … foi meu momento de mais orgulho nesta UFSC.

A Universidade agrega bastante, mas não quero que ela mude muito quem eu sou. Vejo mais a necessidade de eu trazer uma mudança para a Universidade, o nosso povo tem muito a ensinar. A gente vem aqui em busca de um diploma, não em busca de um emprego renomado. A gente no mundo indígena, para ser ouvido por um branco, precisa de um diploma para falar no mesmo patamar. Eu tento não me influenciar. Eu estudo, tenho que passar pelo meu curso, mas eu também trago muita informação para o curso.

Estar na Universidade também tem um outro efeito – de produzir conhecimento, de registrar nossa história, nosso conhecimento ancestral, pegar esse conhecimento branco e adaptar para o nosso povo.

Atualmente a universidade não está preparada para receber gente de diversos perfis. Não vejo tanta diferença desde que eu entrei. O número de indígenas até cresceu, mas não somos bem aceitos. Não é incomum os casos de racismo, pelo contrário, parece que quanto mais eles nos vêem, mais eles se incomodam.

Nós passamos por diversas situações. Teve um caso durante uma visita de campo do nosso curso, que um cara começou a falar de índios, olhou para mim e perguntou se eu era “descendente de índia” e eu disse que não, que eu sou indígena, sou xokleng. Ele insistiu que não, que eu era descendente, porque estava usando roupas. Teve outro caso também, em um grupo no Facebook, onde postaram uma foto sobre o curso de Licenciatura Indígena e começaram a questionar o curso, com comentários racistas e piadinhas. Começaram a atacar, a gente foi responder e atacaram mais ainda. Já fizemos denúncia e até hoje ninguém foi responsabilizado.

A Universidade está mudando, mas a cabeça das pessoas é muito dura, tem muita gente e muitos não querem ouvir, não querem ler, e perpetuam esses preconceitos. Precisamos aumentar o número de vagas para indígenas, e informar melhor as pessoas preconceituosas, tanto os alunos quanto os professores.

Às vezes a gente pensa em desistir, mas há coisas bem maiores, como a saúde do nosso povo, por isso eu sempre incentivo pessoas mais jovens que eu para virem para cá. Venha, faça um curso que você goste, mude a realidade do seu povo.”